O GATO CINZA

7.10.06

Profetas de ontem e de hoje

"O Senhor é meu pastor / perdoe o que seu filho fez / caiu de bruços no salmo 23 / sem padre, sem repórter / sem armar, sem socorro / vai pegar HIV na boca do cachorro..."
(Racionais MC's in "Diário de Um Detento")

Preconceitos à parte, não há como não ouvir o discurso e as letras de artistas das periferias e não se lembrar do grito dos profetas da bíblia.

Pode parecer loucura fazer uma ponte entre Amós, Habacuque, Elias, Isaías e tantos outros como RZO, Doctor MC'S, Racionais MC'S, Thaíde e DJ Hum, Câmbio Negro e tantos outros que berram na periferia, mas vamos mostrar alguns elementos que os identificam.

O primeiro deles é o fato de que cada um deles vieram do meio do local onde viviam, eles estavam intimamente ligados com o que defendiam e defendem, totalmente atrelados as necessidades que seu povo enfrenta. Seja na Judá assolada pelo Sírios ou na periferia de São Paulo, esquecida por tantos prefeitos e prefeitas, tanto os profetas bíblicos como os profetas de hoje, ambos estão comprometidos na luta contra a opressão.

O segundo elemento que os identificam é o discurso de ambos. "Ai daquele que edifica a cidade com sangue e a fundamenta com a iniquidade", Habacuque profere sua palavra contra a violência nas cidades e nas guerras pela tomada das cidades. Da mesma forma, vemos o grito dos artistas da periferia: " Você sabe por que / pra onde vai / pra quem vai / De bar em bar / de esquina em esquina / Pegar 50 contos / trocar por cocaína / Enfim, o filme acabou pra você / A bala não é de festim / aqui não tem dublê." (Racionais MC'S in "Capítulo 4 Versículo 3") Que denunciam a violência, seja no tráfico, seja no roubo.

Poderíamos traçar diversos outros elementos de identificação. O comprometimento com a mudança da sociedade, a reestruturação do local onde vivem, a readequação e recolocação do homem na sociedade, a devolução da dignidade e condições de vida ao homem. Passaríamos horas debatendo este tema. Mas não, prefiro deixar estes questionamentos para que pensemos: vamos fechar nossos ouvidos ao som que não gostamos, por ser de "pobre e de preto", ou vamos ouvir o clamor do povo que vive pendurado nos barracos dos morros à volta das mansões? Vamos ficar calados? Por incrível que pareça, eles estão cumprindo o papel que cabe a nós cristãos: a denuncia das mazelas da sociedade e luta contra as opressões.

Por fim, resta a nós, cristãos, olharmos para os excluídos, o oprimidos, não os oprimidos por satanás, o que é pior: os oprimidos pelo próprio homem! São para estes que Cristo veio. É para eles que Cristo pregou e viveu. É por eles, que nós, como seguidores de Cristo devemos lutar!

"Milhares de casas amontoadas!
Ruas de terra, esse é o morro, a minha área me espera!
Gritaria na frente, "vamos chegando!"
Pode crer, eu gosto disso, mais calor humano.
Na periferia a alegria é igual!
É quase meio dia, a euforia é geral!
É lá que moram meus irmãos, meus amigos.
E a maioria por aqui se parece comigo.
E eu também sou bam bam bam e eu que mando.
O pessoal desde às 10 da manhã tá no samba.
Preste atenção no repique, atenção no acorde.

"Como é que é Mano Brown?"
"Pode crer, pela ordem!"

A número, número 1 em baixa renda da cidade.
Comunidade Zona Sul é dignidade!
Tem um corpo no escadão, a tiazinha desse o morro.
Polícia, a morte, polícia, socorro!
Aqui não vejo nenhum clube poliesportivo.
Pra molecada freqüentar. Nenhum incentivo!
O investimento no lazer é muito escasso.
O centro comunitário é um fracasso!
Mas, aí, se quiser se destruir está no lugar certo.
Tem bebida e cocaína sempre por perto.
A cada esquina, 100, 200 metros,
Nem sempre é bom ser esperto!
Schmith, Taurus, Rossi, Dreyer ou Campari
Pronúncia agradável, estrago inevitável.
Nomes estrangeiros que estão no nosso meio pra matar..."
(Racionais MC'S in "Fim de Semana no Parque")